segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Escravos do século 21

EDIÇÃO 41/SETEMBRO DE 200329/08/2011


Em pleno século 21, ainda há 27 milhões de escravos em todo o mundo

por Andrew Cockburn
     
Jodi Cobb
Crianças fazem trabalho escravo na Índia
Escravos modernos: em uma sala abafada no norte da Índia, 12 crianças debruçam-se sobre fogareiros a gás para produzir pulseiras que são vendidas a 40 centavos de dólar a dúzia.
O título acima não é metáfora. Esta é uma reportagem sobre escravos. Não sobre gente que vive em condições de escravidão, que trabalha muito e ganha bem pouco; não de gente que viveu há 200 anos. Trata de 27 milhões de pessoas que são compradas e vendidas, mantidas em cativeiro, agredidas e exploradas. Fala dos escravos do século 21.
O Castelo de Sherwood, base de Milorad Milakovic, um ex-ferroviário que se transformou em famoso traficante de escravos, parece um gigante à espreita, perto da cidade de Prijedor, no noroeste da Bósnia. Sob as muralhas de estuque, rapazes musculosos e cobertos de tatuagens vigiam a entrada. Ao lado, os três tigres siberianos de estimação de Milakovic andam de um lado para o outro em seu cativeiro cercado por grades.
Cheguei ali sozinho, em uma manhã cinzenta de primavera – nenhum guia local ou tradutor ousou me acompanhar –, e encontrei meu anfitrião robusto, de 54 anos, a minha espera em uma mesa posta para o almoço, ao lado de uma piscina coberta, com a água bem azul e límpida.
O senhor de Sherwood nunca teve vergonha de seu negócio. Certa vez disse a uma defensora dos direitos humanos que havia esmiuçado publicamente seus registros de compra de mulheres para atender aos prostíbulos que possui em Prijedor. “É crime vender mulheres? Mas e os jogadores de futebol? Eles são vendidos, não são?”
Milakovic ameaçou matar a ativista por sua ousadia, mas comigo foi bem mais brando. Enquanto saboreávamos salada de frutos do mar e filés, falamos sobre a multidão de moças que fogem de países economicamente arrasados da ex-União Soviética. Milakovic estava ansioso para divulgar seu plano para legalizar a prostituição na Bósnia, “para acabar com a venda de pessoas, porque cada uma dessas moças é filha de alguém”.
Uma dessas jovens chama-se Victoria. Ela é loura, míope, fuma sem parar e, aos 20 anos, já é veterana no mercado da escravidão. Durante três anos, fez parte dos estimados 27 milhões de homens, mulheres e crianças que vivem como escravos no mundo todo – confinados ou presos e forçados a trabalhar, controlados por meio de violência ou tratados como propriedade.
A odisséia de Victoria começou quando tinha 17 anos e acabara de terminar seus estudos em Chisinau, a capital decadente da ex-república soviética da Moldávia. “Lá não havia trabalho”, explica. Então, quando um conhecido sugeriu que poderia ajudá-la a conseguir um emprego em uma fábrica na Turquia, ela aceitou a proposta dele de levá-la, de carro, até lá, atravessando a Romênia. “Mas, quando percebi que seguíamos para o oeste, em direção à fronteira com a Sérvia, notei que alguma coisa estava errada.”
Tarde demais. Na fronteira, foi entregue a um grupo de sérvios que lhe deram um passaporte novo, segundo o qual ela tinha 18 anos. Eles a estupraram, dizendo-lhe que morreria se resistisse. Então, foi enviada sob guarda até a Bósnia, a república balcânica que estava sendo reconstruída, graças à ajuda humanitária internacional, depois de anos de genocídio de uma guerra civil.

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